O incêndio do domingo (2) foi o auge de uma crise que se arrasta há anos no Museu Nacional, ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Com as instalações malconservadas, há três anos a instituição não recebe os R$ 500 mil anuais prometidos para manutenção. Para pagar as contas, a direção chegou a fazer uma vaquinha virtual.
De acordo com a universidade, o governo repassou R$ 346,3 mil em 2015, aumentou o valor para R$ 415,3 mil em 2016 e, no ano passado, voltou a reduzir o repasse, novamente para R$ 346,3 mil.
Para uma noção de grandezas, o Museu de História Natural de Londres teve 49 milhões de libras (R$ 262 milhões) no ano fiscal 2016-2017 -- 524 vezes o valor necessário para a manutenção anual do Museu Nacional, do Rio de Janeiro.
A comparação direta, no entanto, precisa de uma ressalva: o orçamento do museu londrino incorpora gastos com salários -- que não faz parte dos R$ 500 mil anuais do Museu Nacional. O pagamento dos funcionários, no caso do museu carioca, entra na folha de pagamentos da UFRJ.
O dinheiro destinado à conservação do prédio e do acervo de um dos maiores museus de história natural e de antropologia das Américas parece ainda menor quando comparado a outras destinações do dinheiro dos contribuintes no Rio - não só na instância federal, mas em diversas esferas da administração pública:
O Maracanã virou um canteiro de obras para a Copa do Mundo de 2014. Além das altas exigências da Fifa para o estádio que sediou a final, a construção também sofreu com desvios e superfaturamentos, chegando a uma soma final de R$ 1,2 bilhão --R$ 495 milhões a mais do que o previsto inicialmente. Disso, o TCE avalia que R$ 211 milhões tenham sido superfaturados. A reforma do estádio seria suficiente para manter o Museu Nacional por 2.400 anos.
O superfaturamento na obra de um estaleiro em Itaguaí, no litoral fluminense, onde cinco submarinos também são construídos, consumiu R$ 2,8 bilhões do Prosub (Programa de Desenvolvimento de Submarinos), projeto executado por uma subsidiária da Odebrecht e pela empresa francesa DCNS. O valor inicial, de R$ 5 bilhões, terminou em 7,8 bilhões. Com essa diferença, o Museu Nacional teria sua manutenção garantida por 5.600 anos.
Em 2016, o governo federal prometeu gastar R$ 327 milhões para reurbanizar o complexo do Alemão por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A obra terminou em R$ 493,3 milhões, uma diferença de R$ 166,3 milhões. A cifra seria suficiente para custear o Museu Nacional por 332 anos. Só do teleférico, símbolo do novo Alemão, o desvio foi de R$ 14,8 milhões.
Em 2016, o governo do Rio entregou a Linha 4 do metrô. Custou R$ 9,6 bilhões. Naquele ano, O TCE (Tribunal de Contas do Estado) identificou um superfaturamento de R$ 2,3 bilhões, um dinheiro que cuidaria da manutenção do Museu Nacional por mais de 4.600 anos.
Considerada a maior obra de Niterói, o BRT Transoceânica foi orçado em R$ 310,9 milhões, mas agora será entregue a R$ 384,8. Em janeiro deste ano, o TCE identificou um superfaturamento de R$ 11,6 milhões: O valor pagaria 23 anos de manutenção do museu.
Estimada em R$ 7,1 bilhões, a usina nuclear Angra 3 agora é estimada em R$ 17,1 bilhões, R$ 7,1 bilhões além do previsto. Parte desse valor foi superfaturado, de acordo com o TCE e o TCU (Tribunal de Contas da União): R$ 400 milhões, suficientes para cuidar do museu por 800 anos.
O salário médio dos juízes brasileiros é de R$ 47,7 mil, incluindo todos benefícios. Por ano, são R$ 572,4 mil, o que pagaria a manutenção anual do museu e ainda sobraria um trocado. Isso sem contar com o aumento de 16% aprovado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) há um mês.
Cada um dos 51 vereadores do Rio ganha R$ 18.991,68 por mês. Um mês de salários somados (R$ 968 mil) quitaria quase dois meses de manutenção no museu. Ao ano, os R$ 11,6 milhões cuidariam do prédio e seu acervo por 23 anos.