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20/03/2015 às 10h56min - Atualizada em 20/03/2015 às 10h56min

'O cidadão dizia que iria dar um tiro na minha cara'

A ameaça de morte ao ex-presidente do TJES, Pedro Valls Feu Rosa, aconteceu durante a Operação Derrama. O desembargador sugeriu ao atual presidente da Corte a federalização dos processos

Século Diário

O ex-presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), Pedro Valls Feu Rosa, admitiu que vem sofrendo agressões e ameaças há cerca de um e ano e meio. Os atentados contra a vida do desembargador coincidem com a deflagração da Operação Derrama pelo Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção (Nuroc), que investigava denúncias de sonegação fiscal em prefeituras do interior do Estado. As investigações resultaram na prisão de 33 agentes públicos, entre eles dez ex-prefeitos acusados de integrarem um esquema de desvios e fraudes montado em conjunto com a CMS Consultoria.
 
Durante a operação, a Polícia Civil entregou a Pedro Valls a transcrição de uma escuta telefônica na qual o interlocutor advertia que “iria dar um tiro na cara” do presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
 
Dias depois da revelação da ameaça, a segurança do tribunal, por meio do circuito interno de câmaras, flagrou o autor da ameaça na porta do gabinete do presidente do TJES. “Decerto somente não consumou seu intento por ter sido solta a pessoa de seu interesse”, escreve o desembargador no documento entregue nessa segunda-feira (16) ao presidente da Corte, Sérgio Bizzotto. E acrescenta: “De lá para cá, tem sido cada dia mais frequentes atos de ataques e perseguição, inclusive ao próprio Tribunal de Justiça”.
 
A mais recente ameaça ocorreu no último sábado (14), quando o desembargador voltava da missa com sua família. Um “anônimo” teria deixado uma mensagem na portaria do prédio em que Pedro Valls mora com uma nova ameaça.
 
O desembargador relata que a partir da Derrama as ameaças passaram a ser sistemáticas. Ele cita no documento, uma declaração que o hoje deputado Guerino Zanon (PMDB), um dos ex-prefeitos presos na operação, deu durante entrevista ao noticioso eletrônico sitedelinhares. 

Na entrevista, publicada em abril do ano passado, Zanon fala sobre sua prisão e insinua que Pedro Valls fazia parte de um grupo que queria prejudicá-lo. “Os responsáveis em algum momento serão responsabilizados. A quadrilha formada por alguns desembargadores, por alguns membros do Tribunal de Contas, por alguns delegados do Nuroc com a conivência de alguém ‘superior’ pagará por todo mal que causaram a estes cidadãos”, vaticinou Zanon.
 
No documento, Pedro Valls diz não entender o motivo dos ataques e ameaças dos envolvidos na operação. “Lamento, sinceramente, tal espírito. Não pratiquei um único ato ao longo da denominada Operação Derrama, de cujo teor tomei conhecimento após deflagrada. Tenho sido vítima, no que toca este processo, de ‘fuxicos’ absolutamente repulsivos”.
 
Derrama estagnada
 
Após os delegados do Nuroc prenderem 33 pessoas acusadas de envolvimento no esquema, o procurador-chefe do Ministério Público Estadual, Eder Pontes, decidiu, em março de 2013, pela soltura dos suspeitos e arquivamento do processo. Ele alegou “falha” dos delegados do Nuroc na apuração das provas. Eder Pontes também não ofereceu denúncia ao tribunal sobre os suspeitos com prerrogativa de foro. A decisão obrigou o relator do processo no TJES, desembargador Ronaldo Gonçalves, depois de uma longa queda de braço com o procurador-geral do MP, a arquivar os processos contra os deputados Theodorico Ferraço (DEM) e José Carlos Elias (PTB).
 
Após o arquivamento, os autos seguiram para a Promotoria de Justiça de Vitória. Por determinação de Pontes, o processo foi desmembrado para posterior distribuição às promotorias dos municípios que abrigavam o esquema.
 
Com o desmembramento, as investigações travaram. Os processos seguem estagnados nas promotorias, que terão de iniciar as investigações do zero. Não há prazo para conclusão, como também não há mais restrições para os suspeitos. Com a decisão de Pontes, todos restabeleceram o direito de exercer função pública, sair do país e circular pelas dependências dos prédios das prefeituras. Alguns, inclusive, devem voltar a ocupá-las em 2016 como prefeitos.
 
Federalização
 
Após a ameaça do último sábado (14), Pedro Valls procurou saber a situação dos processos. Ficou estarrecido ao descobrir que as investigações estavam paradas. “(...) É uma situação absolutamente grave, passível mesmo de federalização — medida que sugiro dada a celeuma que tem prejudicado o bom andamento das investigações”.
 
Pedro Valls destaca no documento entregue a Bizzotto o fato de os suspeitos responderem a dezenas de processos por corrupção e outros crimes e continuarem impunes. “Não são um ou dois, mas dezenas [de processos]. E praticamente todos estes processos arrastam-se há anos, com pouco andamento e sem julgamento”. E completa: “É, realmente, uma situação singular: enquanto este tão Egrégio Tribunal de Justiça e seus membros são agredidos e ameaçados, os autores das agressões e ameaças passam ao largo de dezenas de processos os mais sérios. Eis aí configurado um quadro de desrespeito hábil a legitimar medidas as mais sérias, por configurem a falência do aparelho estatal do Estado do Espírito Santo”.
 
Muito além das agressões e ameaças que vem sofrendo há mais de um ano e meio, chama a atenção no documento a preocupação do desembargador em alertar o presidente do tribunal para um grande esquema de corrupção que se enraizou no Estado. Pedro Valls, inclusive, sugere a Bizzotto que estenda o pedido de federalização a outras três operações: Lee Oswald, Pixote e Navajo. “Apenas à guisa de pequeno exemplo: a quantas anda a ‘fila de licitações’, cuja existência foi comprovada por gravação apresentada pela Polícia Federal, um cartel espalhado pelo Espírito Santo de norte a sul?”, questiona.
 
Ao final do documento, o desembargador formaliza cinco pedidos ao presidente Sério Bizzotto. Requer os autos da Operação Derrama; que sejam tomadas as devidas providências para a federalização de todos os processos criminais e por improbidade relativos a todos os envolvidos na Derrama; que seja expedida a certidão sobre o andamento das investigações; que também seja determinada a expedição de certidão sobre a Operação Navajo; e que seja expedida a certidão de quais e quantos atos de investigação foram praticados, nos últimos dois anos, pela PF, devidamente autorizados pelo MPES, no que se refere à Operação Lee Oswald. 
 
Lee Oswald e Lava Jato
 
Sobre a Lee Oswald, Pedro Valls, que foi relator do processo no TJES, registra que a operação guarda semelhanças com a Lava Jato, em função de seu modus operandi. 
 
Ao pedir informações sobre “quais e quantos atos de investigação foram praticados pela PF, devidamente autorizados pelo MPES, Pedro Valls quer saber se o órgão ministerial está cumprindo suas funções institucionais de investigar as denúncias com rigor. 
 
Durante a Lee Oswald, o então presidente do tribunal não escondeu seu descontentamento ante a postura do chefe do MPES, que parecia disposto a frear as investigações, como se repetiria, logo em seguida, com a Operação Derrama.
 
Em 2013, um ano após a Lee Oswald revelar um escândalo de corrupção em prefeituras capixabas e mover ações penais contra 43 réus, os processos foram desmembrados em duas ações penais e passaram a ser analisados pelas promotorias de Presidente Kennedy e Fundão.
 
O desmembramento, a exemplo do que ocorreu com a Derrama, levou as investigações à estaca zero, como queria Eder Pontes. À época, a denúncia formulada pelo MPES foi rejeitada por Pedro Valls, que alegou que a peça de acusação do órgão ministerial não havia considerado elementos que constavam nos autos, como os episódios de corrupção envolvendo o governo Paulo Hartung. Na ocasião, o então presidente do TJES classificou o esquema revelado pelo Lee Oswald como o “maior escândalo de corrupção da história do Espírito Santo”.
 
Ninguém preso
 
No final do documento encaminhado ao presidente do tribunal, Pedro Valls Feu Rosa ainda comunica que solicitou aos juizados informações sobre o processo e julgamento das ações relativas ao crime organizado e à corrupção no Espírito Santo. Ele acrescenta que soube pela imprensa que não há um único preso por corrupção entre os mais de 14 mil detentos no sistema prisional capixaba. 
 
“Eis aí a primeira justificativa para a federalização dos casos suso citados. Esta providência preservará as instituições capixabas, evitando-se a politização do tema. Sim, que seja uma outra instância do Poder Judiciário brasileiro a, verdadeiramente, distantes das questões paroquiais, apurar o que se passa aqui no Espírito Santo e tomar as devidas providências”, sublinha o desembargador. 


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