A revelação de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, possui uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe, trouxe à tona o debate sobre a questão do envio legal de remessas de dinheiro para territórios no exterior onde há menor tributação. De acordo com as informações reveladas a partir de documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos - os arquivos chamados de “Pandora Papers” - e publicados pela revista Piauí em outubro de 2021, o responsável pela política econômica brasileira aplicou, em setembro de 2014, em uma conta aberta no banco Crédit Suisse, em Nova York, a quantia de US$ 9,55 milhões (cerca de R$ 23 milhões de reais na época, e o equivalente a R$ 48 milhões no câmbio atual).
Convocado, em 23 de novembro, pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara para esclarecer suas movimentações financeiras em paraíso fiscal, o ministro da Economia admitiu que enviou recursos para uma offshore em paraíso fiscal para escapar dos impostos. Na ocasião, Guedes afirmou ser melhor usar uma offshore, “que está fora do continente”, para fazer investimento. “Se eu morrer, em vez de metade ser apropriado pelo governo americano, vai para a sua sucessão”, justificou à época.
Também em novembro de 2021, foram revelados pela ONG Rede de Justiça Fiscal dados sobre o montante global de verbas aplicadas em offshores: segundo o levantamento, foram aplicados US$ 483 bilhões (cerca de R$ 2,4 trilhões) em contas abertas em paraísos fiscais, sendo empresas multinacionais responsáveis por U$ 312 bilhões (R$ 1,6 trilhão), ao passo que pessoas físicas responderam pela quantia de US$ 171 bilhões (R$ 878 bilhões).
Em âmbito local, de acordo com a mesma ONG, cerca de US$ 8,17 bilhões (por volta de R$ 41,9 bilhões) por ano são enviados a paraísos fiscais por empresas (que respondem por US$ 7,86 bilhões, ou R$ 40,4 bilhões) e pessoas físicas (responsáveis por US$ 298 milhões, ou R$ 1,5 bilhão) brasileiras.
De acordo com a Receita Federal do Brasil, são considerados paraísos fiscais “países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna não permita acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade” - a lista abrange mais de 60 países e territórios, entre eles Irlanda, Panamá e Mônaco, além de dezenas de localidades no Caribe.
Para Alexsandro Leite, diretor jurídico da empresa STLA, empresa que presta serviço de assessoria na abertura de offshores, a alta carga tributária brasileira, que pode chegar a 27,5% da renda de uma pessoa física, somada a “má gestão e corrupção dos recursos captados por meio da cobrança de impostos” ajuda a explicar o investimento em paraísos fiscais a partir do Brasil.
“Quando a receita fiscal chega perto de R$ 1 trilhão, e esse dinheiro não retorna em segurança, educação, infraestrutura, moradia e saúde, o indivíduo se vê obrigado a pagar ele mesmo por tais obrigatoriedades. E para isso, precisa tirar de algum lugar”, afirma.
Burocracia estatal e facilidades tributárias
O profissional explica que territórios considerados paraísos fiscais são locais com poucos recursos naturais ou mínima atividade turística e que, para atrair capital, “diminuíram a burocracia estatal e criaram facilidades tributárias para empresas e indivíduos do mundo todo”. Leite afirma que tal estratégia é uma possível solução “que os países membros da OCDE deveriam usar para evitar a fuga de recursos”.
Em outubro, um acordo global assinado por 136 países, inclusive o Brasil, foi estabelecido de modo a assegurar que grandes companhias paguem uma taxa mínima de 15% de imposto, tornando mais difícil que evitem a tributação. Para a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), responsável pela mediação, o acordo permitirá aos países a coleta de cerca de US$ 150 bilhões (algo em torno de R$ 770 bilhões) em novas receitas por ano. Para a Rede de Justiça Fiscal, porém, o ideal seria que a formulação de regras tributárias internacionais fosse transferida da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para a ONU (Organização das Nações Unidas).
Alessandro Leite acredita que o “reconhecimento da importância do empreendedorismo para a economia” e o aumento do “nível de profissionalização do empreendedor brasileiro” ajudariam a manter o dinheiro circulando no país. “É preciso desburocratizar a máquina de abertura e gestão jurídica e tributária das empresas nas juntas comerciais, para fomentar crescimento e desenvolvimento empresarial”, afirma. “Com uma consultoria fiscal e tributária atuando equilibradamente, nosso país conseguiria diminuir os maiores problemas que a fuga de divisas causa”, conclui.
Para mais informações, basta acessar: https://www.stla.com.br/